William Utermohlen (Pensilvânia, EUA 1933 – Londres, Reino Unido 2007), foi um pintor contemporâneo americano, nascido na Filadélfia, Pensilvânia, em 1933.
Utermohlen estudou na Pennsylvania Academy of the Fine Arts e depois na Ruskin School of Art, em Oxford, Reino Unido. Ele se estabeleceu em Londres, onde continuou sua carreira artística. Seu estilo artístico inicial foi marcado pelo expressionismo, com inclusão de elementos da Pop Arte e cores vibrantes. Os principais temas presentes em suas obras são grupos de amigos, sua esposa, emoções humanas e a psicologia.
Em 1995, William Utermohlen foi diagnosticado com Doença de Alzheimer (DA), a demência mais frequente em todo o mundo e que tem a perda de memória como seu sintoma mais conhecido e precoce. Na DA as células do cérebro no hipocampo, parte do cérebro associada com o aprendizado, são normalmente as primeiras a serem danificadas pelo Alzheimer. É por isso que a perda de memória, principalmente a dificuldade em lembrar informações recentemente aprendidas, é normalmente o primeiro sintoma da doença.
Este diagnóstico teve um impacto profundo e devastador para o artista Utermohlen, tanto em sua vida pessoal quanto em sua carreira artística. A partir desse momento, ele começou a documentar sua deterioração cognitiva através de uma série de autorretratos. Esses autorretratos são particularmente comoventes e informativos, pois mostram a progressão da doença de uma maneira visual e íntima.
Importante destacar que a assinatura dos doentes de Alzheimer também vão se degenerando progressivamente. Para os artistas, assinar uma obra de arte é um ato de afirmação da própria identidade, e a deterioração dessa capacidade é um reflexo doloroso da perda progressiva de si mesmo.
Vamos primeiro falar sobre os autorretratos de Utermohlen e depois das assinaturas.
Os primeiros autorretratos, feitos logo após o diagnóstico, ainda mostram um controle técnico e uma clareza de forma. No entanto, à medida que a DA foi progredindo, suas obras tornaram-se mais abstratas e desintegradas, refletindo sua luta interna com a perda de memória, identidade e habilidades motoras. Esses trabalhos são frequentemente estudados por neurocientistas e psicólogos como exemplos poderosos de como a arte pode servir como uma janela para o estado mental de uma pessoa com Alzheimer.
Autorretratos
Abaixo, apresento uma análise detalhada sobre como essa doença afetou suas pinturas ao longo do tempo.
1. Período Pré-diagnóstico (antes de 1995)
Antes do diagnóstico, as obras de Utermohlen exibiam uma habilidade técnica sólida e um controle claro sobre a forma, a cor e a composição. Seus autorretratos desse período mostram uma representação realista e detalhada de si mesmo, com linhas precisas e cores bem definidas.
2. Período Imediatamente Pós-diagnóstico (1995-1996)
Logo após o diagnóstico, Utermohlen começou a explorar sua condição através de sua arte.
- Autorretrato (1996): Este autorretrato ainda mantém uma clareza considerável, mas já começa a mostrar sinais de mudança. A expressão facial é mais sombria, e há uma sensação de incerteza e introspecção profunda. As linhas são mais suaves, mas ainda bem definidas.
3. Período de Progressão da Doença (1997-1999)
À medida que a doença progredia, as mudanças nas pinturas de Utermohlen tornaram-se mais evidentes.
- Autorretrato (1997): Neste autorretrato, observa-se uma desintegração gradual na habilidade de captar detalhes faciais. As formas começam a se tornar menos definidas, e há uma sensação crescente de confusão e fragmentação na composição.
- Autorretrato (1998): A deterioração é ainda mais visível. As características faciais são menos reconhecíveis e mais abstratas. A cor e a forma tornam-se menos coerentes, refletindo a perda de função cognitiva e memória. As pinceladas são mais erráticas e desconexas.
4. Período Avançado (2000-2002)
Nos estágios mais avançados da doença, as pinturas de Utermohlen refletem uma desconexão quase completa com a realidade.
- Autorretrato (2000): Este autorretrato mostra um rosto quase irreconhecível. As formas são extremamente abstratas, e há uma sensação de desintegração total. As cores são sombrias e o controle sobre a técnica praticamente desaparece.
- Autorretrato (2002): Um dos últimos autorretratos, este trabalho é um exemplo da completa perda de controle motor e cognitivo. As formas e cores são caóticas, quase inexistentes, refletindo a total deterioração da percepção e da memória.
Análise dos Elementos Artísticos
- Linhas e Formas: As linhas começam claras e precisas, mas gradualmente se tornam mais borradas e erráticas. As formas passam de realistas a abstratas e, finalmente, a quase inexistentes.
- Cores: No início, as cores são usadas de forma realista e controlada. Com o avanço da doença, as cores tornam-se mais escuras e sombrias, frequentemente refletindo estados emocionais perturbados.
- Composição: As composições começam estruturadas e equilibradas, mas gradualmente perdem essa coerência, tornando-se desorganizadas e caóticas.
- Expressão: A expressão facial nos autorretratos mostra uma transição de uma consciência introspectiva e preocupada para uma desorientação completa, com as últimas obras quase desprovidas de expressão humana reconhecível.
Neurodegeneração e Assinatura
As assinaturas de William Utermohlen em seus quadros também refletiram as mudanças cognitivas e motoras associadas à progressão da Doença de Alzheimer. A análise das assinaturas pode fornecer insights adicionais sobre como a doença afetou sua capacidade de controle motor fino, memória e identidade.
Assinaturas Antes do Diagnóstico
Antes de ser diagnosticado com Alzheimer, as assinaturas de Utermohlen eram consistentes, legíveis e exibiam um controle firme da caneta ou do pincel. Elas refletiam sua habilidade técnica e um senso claro de identidade.
Assinaturas Imediatamente Pós-diagnóstico
Nos primeiros anos após o diagnóstico, as assinaturas começaram a mostrar pequenas variações, mas ainda eram reconhecíveis e relativamente consistentes. Houve uma ligeira perda de precisão, mas nada drasticamente diferente do período pré-diagnóstico.
Assinaturas durante a progressão da doença
À medida que a doença avançava, as assinaturas de Utermohlen começaram a mudar de maneira mais pronunciada:
- Anos Intermediários (1997-1999): As assinaturas tornaram-se menos legíveis, com presença de tremores e desorientação espacial. A consistência começou a se deteriorar e a clareza diminuiu significativamente Ele ainda tentava assinar seus trabalhos, mas o controle motor estava visivelmente comprometido.
- Anos Finais (2000-2002): Nas últimas fases de sua doença, as assinaturas de Utermohlen tornaram-se quase irreconhecíveis. Em alguns casos, ele não conseguia completar a assinatura, resultando em marcas que eram mais abstratas e desorganizadas do que uma tentativa legível de escrever seu nome. Isso refletia uma perda significativa de controle motor e uma deterioração na capacidade de lembrar a forma correta de sua própria assinatura. Aqui acontece a perda da identidade gráfica.
Elementos Observados nas Assinaturas dos doentes de Alzheimer
- Legibilidade: inicialmente legíveis, as assinaturas tornam-se progressivamente mais difíceis de decifrar.
- Consistência: há uma perda de consistência nas assinaturas, com variações significativas ao longo do tempo; no caso de Utermohlen é oberervada de uma obra para outra.
- Controle Motor: as assinaturas mostram uma perda de controle motor fino, com tremores nos traços e menos precisão.
- Identidade: A clareza e a força da identidade na assinatura diminuem à medida que a doença progride, refletindo a perda de identidade e memória.
Impacto Emocional e Psicológico
Assinar uma obra de arte é um ato de afirmação da identidade do artista, simbolizando a conclusão de uma peça e a reivindicação de autoria. A assinatura serve como uma marca pessoal que conecta o criador à sua criação, imbuindo a obra com uma parte da personalidade e do estilo individual do artista. A assinatura é, portanto, um elemento crucial da expressão artística, representando não apenas a habilidade técnica, mas também a identidade única e a visão do artista.
A mudança nas assinaturas de Utermohlen é um aspecto profundamente pessoal e emocional de sua luta contra a Doença de Alzheimer. Quando um artista perde a capacidade de assinar suas obras devido a uma doença como o Alzheimer, essa perda vai além da mera deterioração física. Ela representa uma diminuição profunda e dolorosa da conexão entre o artista e sua própria identidade. A assinatura, que outrora era uma manifestação de controle, intenção e consciência de si, torna-se uma tarefa insuperável. Isso reflete a progressiva perda de memória, habilidades motoras e, mais amplamente, da própria essência do indivíduo.
Considerações Finais
As mudanças nas pinturas e assinaturas de William Utermohlen devido à DA de são um testemunho poderoso de como essa doença pode afetar a mente e a capacidade criativa de uma pessoa. Seus autorretratos são particularmente comoventes e informativos, pois mostram a progressão da doença de uma maneira visual e íntima, afetando sua vida e seu trabalho. A perda de clareza, controle e consistência nas assinaturas e pinturas reflete a devastação causada pela doença, não apenas em termos de habilidades técnicas, mas também em termos de perda de identidade e memória.
William Utermohlen deixou um legado poderoso que vai além de suas contribuições artísticas iniciais. Seus autorretratos finais não são apenas obras de arte, mas também documentos profundos e pessoais de uma luta contra uma doença implacável.
Texto escrito em 08 de julho de 2024 por
Elisabeth Romar – Economista, Headhunter, grafoanalista, Assessora e Consultora em Recrutamento e Seleção, com MBA pela PUC- RJ em Finanças Corporativas, atua com análises grafológicas e outras ferramentas para empresas (Brasil e exterior) na área de Seleção de Pessoal, Remanejamento de Cargos, Verificação de Falsificação de Textos e Assinaturas (perícia grafotécnica), Desenvolvimento Pessoal, Avaliação por Competências, Previsão de Risco; Orientação Vocacional/Profissional para jovens acima de 16 anos, adultos e pessoas que desejam mudar de profissão/carreira. Autora do livro “Las Inteligencias Múltiples y la Vocación en Grafología” (2011).
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