Por Rachel Macy Stafford
– atualizada em 20/12/2013 16h17
Quando você leva uma vida distraída, cada minuto precisa ser
contabilizado. Parece que você está sempre riscando alguma coisa da
lista, olhando para uma tela ou correndo para o próximo compromisso. E
por mais que tente dividir seu tempo e atenção de um jeito ou de outro,
por mais deveres que tente equilibrar ao mesmo tempo, o dia nunca dura o
suficiente para correr atrás do prejuízo.
Essa foi minha vida durante dois anos de correria. Meus pensamentos e
minhas ações eram controlados por alertas eletrônicos, toques de celular
e agendas abarrotadas. Apesar de cada gota do meu sargento interior me
mandar chegar a tempo para cada compromisso em meus dias superlotados,
eu não conseguia.
Acontece que seis anos atrás, eu fui abençoada com uma filha calma e
despreocupada, daquelas que sabe relaxar um pouco e aproveitar o mundo.
Quando eu precisava já estar fora de casa, ela escolhia uma bolsa e uma tiara com todo o tempo do mundo.
Quando precisava estar em algum lugar cinco minutos atrás, ela insistia
em colocar seu bichinho de pelúcia na cadeirinha do carro e apertar o
cinto de segurança.
Quando eu precisava pegar um almoço rápido no Subway, ela queria conversar com a velhinha que parecia sua avó.
Quando eu tinha 30 minutos para dar uma corridinha, ela queria que eu
parasse o carrinho para acariciar todos os cachorros do caminho.
Quando eu tinha um dia cheio que começava às seis da manhã, ela pedia para quebrar os ovos e mexê-los bem devagarinho.
Minha filha calma e despreocupada foi uma dádiva para minha natureza
workaholic e frenética, mas eu não enxergava isso. Não, nem de perto.
Quem leva a vida distraída está sempre usando viseiras, sempre de olho
no próximo item da agenda. E tudo que não pode ser riscado da lista é
pura perda de tempo.
Sempre que minha filha me forçava a desviar do meu cronograma, eu
pensava “Não temos tempo para isso”. Por consequência, as duas palavras
que mais dizia para minha pequena amante da vida eram: “Anda logo”.
Eu começava minhas frases com elas.
Anda logo, vamos chegar atrasados.
Eu terminava minhas frases com elas.
Vamos perder tudo se você não andar logo.
Eu começava meu dia com elas.
Anda logo e come esse café da manhã de uma vez.
Anda logo e vai se vestir.
Eu terminava meu dia com elas.
Anda logo e vai escovar os dentes.
Anda logo e vai dormir.
E apesar das palavras “anda logo” não fazerem nada para acelerar minha
filha, eu as repetia ainda assim. Talvez até mais do que aquelas outras
palavrinhas, “eu te amo”.
A verdade dói, mas a verdade cura… e me deixa mais próxima da mãe que quero ser.
Até que chegou o dia fatídico e tudo mudou. Havíamos acabado de buscar
minha filha mais velha do jardim de infância e estávamos saindo do
carro. Como a menor não estava saindo rápido o suficiente, a mais velha
disse para a irmãzinha: “Você é tão lenta”. E então ela cruzou os braços
e soltou um suspiro de frustração. Foi como me ver no espelho, e a
sensação foi horrível.
Eu estava fazendo bullying com minha própria filha, pressionando e
apressando uma criancinha que simplesmente queria aproveitar a vida.
Meus olhos se abriram. Eu enxerguei os danos que minha existência apressada estavam causando em minhas duas filhas.
Minha voz tremeu, mas eu olhei nos olhos da minha pequenininha e disse:
“Desculpa por estar fazendo você se apressar tanto. Eu adoro que você
faz as coisas com calma e queria ser mais parecida com você”.
Minhas duas filhas pareceram igualmente surpresas com minha admissão
dolorosa, mas o rosto da mais novo tinha um brilho inconfundível de
validação e aceitação.
“Prometo que vou ser mais paciente a partir de hoje”, eu disse,
abraçando minha menininha de cabelo cacheado, que agora sorria com a
promessa da mãe.
Foi fácil riscar a expressão “anda logo” do meu vocabulário. Mais
difícil foi adquirir a paciência para esperar minha filha mais
descansada. Para ajudar nós duas, comecei a dar a ela mais tempo para se
preparar quando tínhamos que ir a algum lugar. Às vezes, ainda assim
chegávamos atrasadas. Eram os momentos em que eu repetia para mim mesma
que só teria mais alguns poucos anos de atraso, enquanto ela fosse
jovem.
Quando saíamos para caminhar ou íamos ao mercado, eu deixava minha
filha determinar o ritmo. E quando ela parava para admirar alguma coisa,
eu tentava esquecer minha agenda e simplesmente assistia o que ela
estava fazendo. Vi expressões no rosto dela que nunca tinha encontrado
antes. Estudei as covinhas em suas mãos e o jeito que seus olhos se
enrugavam quando ela sorria. Vi o modo como as outras pessoas reagiam
quando minha filha parava para conversar com elas. Vi o modo como ela
encontrava insetos interessantes e flores bonitas. Ela era uma
Percebedora, e logo descobri que os Percebedores são dádivas raras e
belas. Foi quando finalmente entendi que ela era um presente dos céus
para minha alma frenética.
Fiz minha promessa de desacelerar quase três anos atrás, ao mesmo tempo
que comecei minha jornada para me livrar das distrações diárias e
entender o que importa de verdade. E viver em um ritmo mais calmo ainda
exige um esforço consciente. Minha caçula é um lembrete vivo de por que
preciso seguir tentando. Na verdade, poucos dias atrás ela fez uma coisa
que me lembrou disso tudo de novo.
Nós duas havíamos saído de bicicleta para visitar uma banca de
raspadinhas enquanto estávamos de férias. Depois que comprei o doce
gelado para minha filha, ela se sentou em uma mesa de piquenique e ficou
admirando a torre gelada que tinha na mão.
De repente, ela me olhou com o rosto cheio de preocupação. “Preciso correr, mamãe?”
Eu quase chorei. Talvez as cicatrizes de uma vida apressada nunca sumam por completo, pensei com tristeza.
Quando minha filha levantou os olhos, esperando para saber se poderia
comer a raspadinha com calma, eu sabia que tinha uma escolha. Eu poderia
ficar ali sentada, triste, pensando sobre o número de vezes em que
apressei a vida da minha filha… ou poderia celebrar o fato de que hoje
estou tentando ser diferente.
Escolhi viver no dia de hoje.
“Você não precisa se apressar. Demore o quanto precisar”, eu disse
calmamente. Seu sorriso se abriu imediatamente e seus ombros relaxaram.
Nós ficamos sentadas lado a lado, conversando sobre coisa que meninas
de seis anos que tocam ukulele gostam de conversar. Houve até alguns
momentos em que ficamos em silêncio, simplesmente sorrindo uma para a
outra e admirando a paisagem e os sons ao nosso redor.
Achei que minha filha ia comer a raspadinha inteira, mas quando chegou
no finalzinho, ela estendeu uma colherada de cristais de gelo e suco
docinho para mim. “Guardei a última mordida para você, mamãe”, minha
filha disse orgulhosa.
Eu deixei o gelo gostoso matar minha sede e percebi que tinha feito o melhor negócio de toda a minha vida.
Eu dei à minha filha tempo… e, em troca, ela me deu sua última
mordida e me lembrou que tudo é mais doce e o amor é mais fácil quando
paramos de correr pela vida.
Seja…
Comendo raspadinha
Apanhando flores
Apertando os cintos de segurança
Quebrando ovos
Achando conchas na praia
Observando joaninhas
Passeando na calçada
Não vou dizer “Não temos tempo para isso”, porque é basicamente o mesmo que dizer “Não temos tempo para viver”.
Fazer uma pausa para aproveitar as alegrias simples do cotidiano é o único jeito de viver de verdade.
(Confiem em mim, eu aprendi com a maior especialista do mundo na área de como ter uma vida alegre e feliz.)
* O texto foi publicado originalmente no blog Hands Free Mama, de autoria da professora norte-americana Rachel Macy Stafford
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